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VOGUE AUSTRALIA: “DUA LIPA SOBRE FAMA, A ONDA FEMINISTA NA MÚSICA E A SUA RELAÇÃO DE AMOR E ÓDIO COM


Nos últimos 12 meses, uma revolução pós-moderna está em andamento. Impulsionada pelo YouTube, Instagram e, acima de tudo, as redes social de vídeos TikTok e Dubsmash, houve uma onda incontrolável de jovens a colocarem a sua própria opinião na cultura mixtape/playlist como a conhecemos. Através de vídeos, estes criadores estão a colocar músicas antigas de volta aos charts e dando um novo significado às mais recentes. O exemplo de que estamos a falar hoje é uma rotina de dança altamente viciante criada pela tiktoker filipina-australiana de 19 anos Hannah Balanay, ao som do mais recente hino de independência de Dua Lipa, Don't Start Now. O #DuaLipaChallenge, como às vezes é conhecido, é uma das maiores danças virais da plataforma. A música em si é exibida em pelo menos quatro milhões de vídeos no TikTok - e tem menos de seis meses.


"Que dança?!" exclama Lipa, ao saber do fenómeno. Tendo criado a sua própria conta do TikTok apenas alguns dias antes, com uma dança coreografada numas escada de Nova Iorque, ela têm andado tão imparável que não faz ideia do entusiasmo da Internet em torno da sua música. "OH MEU DEUS, PRECISO VER ISSO!" A estrela pop de 24 anos está sentada no sofá de um hotel em Sydney, depois de sair do set com a Vogue Australia e fora do requintado e extraordinário vestido de alta-costura rosa milenar da coleção Primavera/Verão 2020 de Valentino que pode ver na nossa capa, apenas algumas horas antes. Ela está de volta com as suas próprias roupas: um visual bastante rapariga do shopping do fim dos anos 90, com umas calças denim largas e um top floral Paco Rabanne, o seu cabelo de dois tons, dividido por ganchos triangulares.


"Isto é incrível - não acredito. Eles são todos tão bons", diz, rindo enquanto os vê. Diferente da negatividade encontrada no Twitter e Instagram, as tribos online de criadores (principalmente mulheres) a dançarem nos seus quartos com amigos no TikTok abrangem tudo o que a música de Lipa representa: comunidade, liberdade, empoderamento, aceitação, criatividade e sentimentalismo. "É importante para mim demonstrar a união entre as mulheres", diz. "Deveríamos estar a ver mais raparigas, mais diversidade, mais união. Por tanto tempo, as pessoas colocam as mulheres contra as outras. Não é assim que deve ser." Lipa não faz apenas música para celebrar o seu gangue de amigas, mas toda a sua produção criativa é baseada nela.


Nascida em Londres, filha de pais do Kosovo e da Albânia, e criada no Kosovo por quatro anos, até voltar para o Reino Unido aos 15 anos para continuar a cantar, as amigas de Lipa tornaram-se a sua família e ainda estão entre as pessoas mais importantes da sua vida. Se assistir aos vídeos dos seus principais sucessos Blow Your Mind (Mwah), IDGAF e New Rules, notará duas coisas: os visuais elegantes e com um estilo vibrante, criados para uma abertura do feminismo e como Lipa está constantemente cercada por um diverso exército de mulheres. "Quando eu estava a criar os vídeos, era quase como: 'Bem, obviamente é isso que eu vou fazer.' Porque é aí que eu sinto-me mais confortável. Quando eu sou apoiada ou estou cercada por outras raparigas, é empoderador", diz. New Rules do seu álbum de estreia homónimo, que obteve mais de dois biliões de visualizações no YouTube, foi um acidente, ela insiste, e o resultado de tropeçar numa fórmula vencedora. "Acabei por criar um vídeo sobre a minha realidade e das minhas amigas. Acabou por se tornar uma mensagem de empoderamento feminino muito forte, do qual eu tenho imenso orgulho e estou muito feliz. Eu continuei [com essa mensagem] porque amo como as mulheres se sentem, como as minhas amigas se sentem e como a minha irmã mais nova se sente."


"Eu nunca pensei que [a música] fizesse o que fez! Nunca num milhão de anos", continua. "Mudou completamente a minha vida, mas eu nunca pensei que tivesse o impacto que causou".


Um nivelador universal entre celebridades e fãs é a redes sociais. Para Lipa, é onde ela aprendeu os nomes e os rostos dos seus seguidores (muitos deles com a sua idade) e cresceu com eles.


É onde os relatos do santuário dedicados a compartilhar as muitas fotos dela também vivem - principalmente desde que ela começou a namorar Anwar Hadid, cantora e irmão mais novo de Bella e Gigi no ano passado. É onde também estão contas dedicadas a compartilhar as muitas fotos dela durante o seu dia ― particularmente desde que começou a namorar Anwar Hadid, cantor e irmão mais novo de Bella e Gigi [Hadid] no ano passado. Mas Lipa admite que a relação de amor/ódio tornou se diferente e descreve as redes sociais como um terreno fértil para a ansiedade. "Eu cresci com as redes sociais; foi sempre divertido", diz. "Mas ficou difícil, principalmente no Twitter, no final da minha primeira campanha de álbum. Quantas mais coisas divertidas tiver que fazer, ou quanto maiores as coisas forem, haverá mais opiniões e negatividade e muitas mais vozes… E eu não me senti apoiada."


É irónico que quantas mais notícias Lipa partilhava, menos ela sentia se capaz. "Acho que as redes sociais realmente tiram isso dos fãs verdadeiros. Estou a tentar descobrir uma maneira de trazer uma proximidade com os meus ouvintes que seja muito mais pessoal, como escrever cartas ou fazer hangouts ou encontros". Lipa admite que, sem uma desintoxicação das redes sociais, um segundo álbum, como o futuro Future Nostalgia, também não teria acontecido. "Eu provavelmente teria entrado num ciclo vicioso de tentar recriar a mesma coisa", enquanto encolhe os ombros.


Durante a sua desintoxicação, a cantora realizou a sua própria pesquisa, como foi visto numa palestra que realizou para a Cambridge Union em novembro. "Eu olhei o impacto que as redes sociais tem nas mulheres e o que é esperado de nós, e as diferenças entre artistas masculinos e femininos", explica hoje. "Precisamos descobrir uma maneira de sermos mais gentis com nós próprios e com os outros, em vez de deitarmo-nos abaixo… Não estou a dizer: 'Ah, eu só quero que as pessoas sejam mais gentis comigo'. Eu apenas acho que devemos criar ambientes mais seguros em geral para todos. Palavras afetam pessoas. Estamos a perder contato com empatia, compaixão e bondade."


Como artista, Lipa é incandescente, mas ela também captura a essência de como é ser uma jovem mulher na era pós-#MeToo, investigando a sexualidade, inteligência, poder, vulnerabilidade e diversão. E, naturalmente, o Future Nostalgia reflete isso. A faixa número um, Don't Start Now, é um poder efervescente sobre como ela seguiu em frente e isso foi assustador devido a um fim de relacionamento – algo em que Lipa é bastante versada, visto que a sua obra e composições sobre a experiência são algo. A faixa final Boys Will Be Boys é muito mais comovente e foi escrito por Lipa como ponto de partida para conversas. "É sobre os problemas de crescer sendo uma rapariga", diz. "Para mim, foi como voltar aos tempos em que ia para casa da escola e colocava as chaves entre os dedos… Muitas das experiências humanas para as mulheres giram em torno dos homens; como eles fazem-nos sentir, seja algo bom ou mau." Ela acrescenta: "Raparigas têm que passar por tanta coisa. Cobrirem-se para evitar problemas com homens, evitarem ser vítimas de assédio sexual, pessoas e as suas palavras ou piropos. Nós mudamos a nossa maneira de ser para nos ajustarmos so estilo de vida de outra pessoa. É bastante triste."


Embora nem sempre esteja confortável com seu status de exemplo a seguir, Lipa quer que a música seja tomada como uma luz orientadora para os seus fãs mais jovens. "Quero que eles possam ouvir a música e fazer perguntas aos irmãos ou aos pais, ou tentarem descobrir uma maneira de mudar esses sentimentos, para que não tenhamos que passar pela mesma coisa durante tantas gerações."


É um clichê muito desgastado no jornalismo musical em falar de um novo álbum que seja "o artista na sua versão mais honesta", mas comparado com à sua estreia de sucesso, Future Nostalgia é realmente mais atentado, artístico, autêntico e inteligente. Parece familiar, mas não é. Além disso, é uma chapada na cara ― este álbum é uma discoteca non-stop, com Lipa flexionando os seus músculos de musicologia, revelando-a como uma artista pop pós-moderna intrinsecamente envolvida no agora. "Quando eu estava a construir [o álbum], todo a gente dizia: 'Oooh,o segundo álbum'", diz. “Eu tive que desligar essa loucura… Entrei no estúdio com os meus amigos e decidi que tudo o que eu queria era fazer música que me deixasse feliz e me fizesse dançar. Eu só quero divertir-me."


Lipa descreve a dançabilidade do disco como "implacável" e baseia-se em relíquias musicais da sua infância, com nuances de música dos anos 80, 90 e início dos anos 00 tocados na casa da família Lipa. Paralelo ao que é amplamente visto na cultura atualmente, a britânica também está elegantemente fazendo uma homenagem aos seus ídolos, muitos dos quais partilham o seu apetite por experimentar com a moda. Há dicas de Kylie Minogue (particularmente da era Fever), Moloko e Róisín Murphy, Blondie, Gwen Stefani, Eurythmics, Jamiroquai, OutKast, Pink e Prince; e samples retrabalhadas de Need You Tonight dos INXS e Your Woman de White Town. É uma homenagem nobre sem descarada, em parte porque os incríveis vocais de Lipa estão sempre confiantes do inicio ao fim. "No final do dia, estamos todos apenas na sombra de gigantes", diz. "Tudo volta sempre, da moda à música. Eu acho que é importante tentar reconhecer isso, mas criar uma nova maneira de fazer as coisas."


Lipa é uma espécie de pássaro cultural e uma amante da arte contemporânea, que se espalha pela sua natureza lúdica com a moda - principalmente quando se trata de experimentar texturas, cor e humor. De fato, a sua lista de artistas favoritos provavelmente revela mais sobre ela como criativa do que qualquer outra coisa. Entre as delicadas tatuagens de Lipa, duas se destacam - as Running Man de Keith Haring em cada polegar. "Adoro tudo o que ele representa e a liberdade do que a arte de rua representa", explica. "Sempre senti-me inspirada pela arte. Os meus pais levavam-me ao Tate Modern, a galerias… Eu aprendo através da arte." Lipa cita Jean-Michel Basquiat, Jeff Koons, Yayoi Kusama, FriendsWithYou, Ben Is Right (Ben Evans), Harland Miller, Connor Brothers, Magda Archer e CB Hoyo como os seus favoritos - artistas que são famosos por serem promíscuos, coloridos e pop, mas muitas vezes irónicos nas suas sensibilidades. "Eu tento incluir arte nos meus concertos o máximo que posso", revela. "Como o que James Turrell faz com iluminação - eu adoro! Na minha última tour, tive muitos visuais inspirados em Rothko."


Enquanto os elogios certamente continuarão a chegar, Lipa é ambiciosa, focada e tem aspirações para além dos superlativos associados da fama (embora uma nomeação ao Grammy de Álbum do Ano esteja lá em cima). "Quero fazer isso o máximo que puder e ainda sentir esfomeada por mais", diz. "Mas eu adoraria assinar artistas em algum momento, apoiar as raparigas do setor. É um grande sonho meu."


Em 2016, Lipa fundou a Sunny Hill Foundation em Pristina no Kosovo com o seu pai, uma instituição de caridade para apoiar uma geração muitas vezes esquecida de jovens na sua terra natal. "Vamos abrir um Centro de Artes e Inovação este ano. Temos também três jovens artistas com bolsas de estudo do Kosovo para frequentar a escola de artes em Los Angeles", diz. "A música é o meu primeiro amor, mas quero continuar a fazer este tipo de coisas e dar uma mãozinha aos jovens".


Sendo uma das poucas artistas britânicas no topo dos charts neste momento, Lipa é uma porta-voz autonomeada para jovens mulheres no Reino Unido e aproveita todos os eventos de oratória para defender a igualdade nas indústrias criativas. No nível básico do que ela faz, Lipa, com a sua autonomia criativa e a sua atitude empática, genuína e sem querer saber do que os outros dizem, está a transformar o papel de uma estrela pop moderna e fazendo com que pareça fácil. "Acho importante fazer as coisas que acreditas", diz. "Fazer parte dessa onda feminista na música sem sequer pensar nisso é algo de que me orgulho, por causa do impacto que tem".


Quando questionada sobre como ela vê o papel da cultura pop mudar com o estado atual do mundo, principalmente entre os jovens, Lipa declara: "Para mim, tudo o que está a acontecer no mundo agora pode ser difícil de digerir às vezes… acho que, com este álbum, eu queria tentar afastar-me do clima político atual. Eu queria fazer música que desviasse as vossas atenções disso." Conclui que, afinal, a música aproveita o poder do escapismo. "Falar sobre injustiças e política, irrita-me e deixa-me perturbada. Eu queria tornar um pouco mais fácil sair da cama e não pensar nas coisas negativas que estão a acontecer no mundo o tempo todo."


"O mais importante é ser autêntico. É isso que o torna relacionável. Tu nunca sabes qual é a próxima coisa que pode vir a unir as pessoas", diz com um encolher de ombros. "O que é surpreendente é que mais artistas estão a falar sobre coisas importantes. É o máximo que tu podes realmente esperar da cultura pop."

 

TRADUÇÃO E ADAPTAÇÃO: DUA LIPA: PORTUGAL

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